Terça-feira, 29 de julho de 2025 Login
A epidemia de HIV/Aids avança silenciosamente entre os brasileiros com mais de 60 anos. Entre 2012 e 2022, o número de idosos diagnosticados com o vírus cresceu mais de 400%, segundo o Ministério da Saúde. Um dado que surpreende, preocupa e expõe uma fragilidade do sistema de prevenção: o tabu em torno da sexualidade na terceira idade e o afastamento desse público das campanhas educativas.
Entrevistamos o infectologista Dr. Raphael Chalbaud Biscaia Hartmann (CRM-PR 34436 | RQE 26852), que acompanha de perto a realidade clínica de pacientes idosos vivendo com HIV. Segundo ele, o avanço da epidemia nesse grupo etário tem relação direta com o aumento da atividade sexual, impulsionada por medicamentos como a sidenafila (Viagra), associado à baixa adesão ao uso de preservativos e à falta de campanhas voltadas para esse público. “Testar é um gesto de amor e cuidado. Mas ainda há muito preconceito, inclusive entre os profissionais de saúde, para falar sobre HIV com quem está na melhor idade”, alerta.
Na entrevista a seguir, Dr. Raphael aponta os principais fatores que explicam o crescimento de casos na terceira idade, os desafios no diagnóstico e tratamento, e as medidas urgentes que precisam ser tomadas para conter a epidemia — inclusive a importância de quebrar o silêncio e normalizar o acesso à informação para homens e mulheres idosos.
1. O Brasil registrou um aumento de mais de 400% nos casos de HIV entre pessoas com mais de 60 anos entre 2012 e 2022. O que explica esse crescimento tão expressivo justamente em uma faixa etária que, até pouco tempo, era considerada de baixo risco?
Dr. Raphael Hartmann – O número de casos de HIV e Aids na terceira idade já era crescente. No entanto, durante a pandemia de Covid-19, o foco da saúde pública foi direcionado para a emergência sanitária, e os testes de rastreio, embora disponíveis pelo SUS, acabaram sendo pouco utilizados pela própria população.
Com a retomada dos serviços e dos centros de triagem, houve um movimento maior de busca ativa e, com isso, mais casos foram identificados.
Vale lembrar que a população idosa é mais vulnerável e carrega uma bagagem cultural diferente, especialmente no que se refere ao preconceito em relação à doença, à resistência em realizar o teste sorológico e ao uso do preservativo.
Falar sobre uso de preservativo na terceira idade ainda é um tabu muito forte. Além disso, com a chegada ao mercado de medicamentos como o citrato de sidenafila (o conhecido Viagra), a qualidade e a frequência da atividade sexual entre os idosos aumentou significativamente. O aumento da atividade sexual, associado ao baixo uso de métodos de proteção, tem levado ao crescimento do número de casos.
2. Há uma percepção de que os idosos, principalmente as mulheres, não estão sendo devidamente contemplados pelas campanhas de prevenção e educação sexual. Como o senhor vê essa lacuna e de que forma ela contribui para o avanço do HIV nessa população?
Dr. Raphael Hartmann – Com certeza. As campanhas precisam ser mais bem direcionadas à linguagem e à realidade desse público, que viveu outras experiências e tem uma forma diferente de compreender os riscos.
É fundamental quebrar esse tabu. Hoje, felizmente, dispomos de mais recursos de proteção. Um exemplo é a Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP), que pode, junto ao uso do preservativo, proporcionar uma vida sexualmente ativa e mais segura.
A PrEP é disponibilizada gratuitamente pelo SUS e, desde que usada com acompanhamento médico e orientação adequada, especialmente com um infectologista, reduz significativamente os riscos de infecção.
3. Na prática clínica, quais são os desafios mais comuns no diagnóstico e tratamento do HIV em pessoas idosas? O envelhecimento impacta a resposta imunológica e a adesão ao tratamento antirretroviral?
Dr. Raphael Hartmann – O impacto da imunidade no paciente idoso com HIV precisa ser avaliado com muito cuidado. Diversos fatores devem ser considerados, como a possibilidade de demência associada ao HIV, ativação do herpes zoster, entre outras condições.
Com o avanço da idade, é natural que o sistema imunológico entre em declínio. Por isso, adotamos uma abordagem multiprofissional, orientando vacinação adequada, testes sorológicos regulares e intervenção precoce em casos de outras infecções sexualmente transmissíveis, como hepatites virais e sífilis.
4. Que tipo de políticas públicas ou estratégias de comunicação seriam mais eficazes para conter o avanço do HIV entre os idosos brasileiros, considerando as especificidades desse público?
Dr. Raphael Hartmann – A melhor resposta continua sendo a prevenção. Precisamos reforçar a importância de testar com regularidade. Para quem vive com HIV, o tratamento está disponível, é acessível e garante qualidade de vida.
Mas o mais importante é não viver na dúvida. Testar é um gesto de amor e cuidado — consigo mesmo e com o outro. Esse deve ser o mote das campanhas: acolher, orientar e normalizar a conversa sobre prevenção na terceira idade.
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